PARÁ| MPF pede suspensão urgente de concessão florestal em área de indígenas isolados no sudoeste do estado
A abertura de envelopes para licitação foi marcada para esta quarta-feira (31/8)
Belém/PA – O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça Federal, em caráter de urgência, que suspenda o processo de concessão florestal conduzido pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB) em área onde há registro, pela Fundação Nacional do Índio (Funai), da presença de indígenas em isolamento voluntário – povos que recusam, geralmente por terem sofrido massacres e violências, o contato com a sociedade não indígena. A abertura de envelopes para licitação foi marcada para esta quarta-feira (31/8).
Para o MPF, a licitação para exploração madeireira na região
da Floresta Nacional (Flona) do Amanã pode “submeter grupo de indígenas em
isolamento a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição
física total ou parcial, o que pode configurar genocídio”.
De acordo com a ação do MPF, o SFB foi notificado pela Funai
da existência de registro de grupo isolado na região, mas omitiu e ignorou a
informação no processo licitatório das unidades de manejo florestal 1, 2 e 3 da
Flona do Amanã, entre os municípios de Jacareacanga e Itaituba, no sudoeste do
Pará e de Maués, no sudeste do Amazonas.
Além da suspensão urgente do leilão em curso, o MPF pediu que a União seja proibida de fazer qualquer nova concessão na área que possa impactar povos em processo de identificação e localização, “em observância ao artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que considera originário o direito indígena sobre os territórios que ocupam tradicionalmente”.
Omissão de
informações – A região que o SFB pretende abrir para exploração madeireira
totaliza 229,3 mil hectares e no edital que abriu para o público não fez
nenhuma menção à possibilidade de existência de grupos indígenas não contatados
na região. O documento chega a mencionar que foram encontrados artefatos
indígenas, mas afirma serem possivelmente datados de período pré-colonial,
descartando indícios da presença atual desses indígenas.
O problema é que na investigação do MPF ficou evidente que a
Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai
informou ao SFB o registro da presença de grupo indígena isolado em fase de
estudos. A referência aos isolados também aparece em outros documentos públicos
produzidos por organizações da sociedade civil.
De acordo com os documentos – dos quais o SFB têm
conhecimento – existem registros de isolados na região desde 1989. “As
informações constantes no procedimento revelam que o Serviço Florestal
Brasileiro desde julho de 2020 obteve dados oficiais sobre a incidência do
registro de indígenas isolados na Flona do Amanã”, assinala a ação do MPF.
Além dos dados oficiais fornecidos pela Funai, o SFB também
teve acesso às informações em reunião dos conselhos das Flonas do Amanã e do
Crepori, em que representantes do Instituto Chico Mendes para Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) e da Funai reforçaram a existência dos registros de
isolados.
Obrigação delegada –
Mesmo assim, no edital de concessão florestal, o SFB delegou aos
concessionários da exploração madeireira – estão concorrendo as empresas
Diógenes P. Battisti e Vale do Amazonas Alimentos – o dever de informar “a
descoberta de quaisquer elementos de interesse arqueológico ou pré-histórico,
histórico, artístico ou humanístico”, de acordo com a ação judicial do MPF.
“Percebe-se que o SFB tenta emplacar um argumento
insustentável de que, em razão da preexistência de atividades humanas (garimpos
e desmatamentos), possivelmente ilegais, no local de registros de indígenas
isolados, não haveria maior necessidade do Estado, por meio de concessões
florestais, proceder com cautela no interior da UC [Unidade de Conservação],
objetivando garantir a proteção efetiva do povo ou grupo de indígenas isolados
que ali vivem”, assinala o MPF.
“Tal cenário de interferências clandestinas evidencia, em
verdade, a elevação do quadro de vulnerabilidade de indígenas isolados dos
quais se tem registros em estudos avançados, demandando urgente cautela estatal
em se abster de contribuir para impactos sinérgicos, decorrentes de atividades
degradantes/exploratórias, que ameaçam a sobrevivência de povo ou grupo de
indígenas isolados na Flona do Amanã”, alerta a ação judicial.
Avistamentos por mais
de 40 anos – O MPF lembra que os relatos de avistamentos de indígenas
isolados remontam pelo menos à década de 1980 e provêm de fontes diversas,
desde o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), passando por indígenas
Munduruku e Sateré, ribeirinhos das margens do rio Urupadi, até o Sindicato dos
Garimpeiros do Município de Maués. Na última expedição feita pela Funai para
localização dos isolados, em 2013, foram coletados indícios concretos como
pegadas, trilhas e restos de acampamento.
“Uma vez que, no atual sistema de classificação adotado pela
Funai, utilizado pela CGIIRC, os registros 'em estudo' (status em que se
encontra o registro de grupo isolado na Flona do Amanã) dizem respeito a um
conjunto de dados ou relatos qualificados sobre a presença de grupo isolado,
demonstrando fortes evidências da sua existência, e havendo insistência da
União em prosseguir com as concessões florestais na área de tal registro,
torna-se premente a adoção de medidas de urgência, no âmbito judicial, para suspender
o processo licitatório do SFB”, pede a ação do MPF.
Para o MPF, é evidente a má-fé da União, através do SFB, “ao
publicar edital de concessão florestal a despeito da ciência, por parte da
administração, de que existem indígenas isolados na área de influência das
concessões”. “Essa omissão ilegal e inconstitucional por parte da União
subverte a ordem das ações administrativas a cargo do Estado, na medida em que,
havendo estudos sobre indígenas em isolamento, revela-se dever prioritário do
Poder Público a conclusão de tais estudos, bem como providências como a
interdição da área”, diz a ação judicial.
Fonte: MPF
Foto: Divulgação
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