Caso Marielle: Mandante da morte de vereadora teria foro privilegiado

Delação do assassino Ronnie Lessa, que está preso, só pode ser homologada pelo STJ, o que indica que a pessoa que mandou executar parlamentar teria foro privilegiado. Informações em apuração indicariam duas famílias de políticos ligadas ao crime

O ex-PM Ronnie Lessa foi preso em 2019, um ano após os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes — Foto: Pablo Jacob

Rio de Janeiro/RJ - O acordo de delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, autor dos disparos que mataram a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista dela, Anderson Gomes, não ocorreu do dia para a noite. Desde que a Polícia Federal assumiu o caso, em fevereiro do ano passado, os termos para que Lessa aceitasse revelar o mandante do crime já estavam em andamento.

No fim de 2023, o ex-PM decidiu assinar o acordo de colaboração premiada. Como a delação está no Superior Tribunal de Justiça (STJ), isso indica que quem mandou executar a parlamentar tem foro por prerrogativa de função. Informações em apuração indicariam duas famílias de políticos influentes ligadas ao crime.

Faltando menos de dois meses para o crime completar seis anos, no dia 14 de março, a delação de Lessa, conforme publicado pelo blog do colunista Lauro Jardim, pode fazer com que o caso, enfim, seja concluído. Para que isso ocorra, as informações prestadas pelo ex-PM devem ser confirmadas pelos agentes federais do Grupo Especial de Investigações Sensíveis (Gise), grupo especializado na elucidação de casos complexos como a execução de Marielle e do motorista Anderson Gomes, ocorrido no Estácio, Zona Central do Rio. Os investigadores têm que comprovar que as informações passadas pelo delator são verdadeiras.

Antes de Lessa, a Polícia Federal já havia obtido a delação de outro ex-PM, Élcio de Queiroz, que admitiu ter dirigir o carro utilizado na emboscada à vereadora. Em seu acordo, Élcio chegou a citar o nome do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Domingos Brazão, como tendo envolvimento na morte de Marielle. Como ele tem foro privilegiado, há uma possibilidade de Lessa ter mencionado o nome de Brazão ou de outra pessoa com cargo público. A delação está na mesa do ministro Raul Araújo, do STJ.

Brazão já havia sido investigado, antes da delação, pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio e pela própria Polícia Federal, mas nada havia sido efetivamente provado contra ele. A PF, nesse caso, tentou descobrir se a Polícia Civil do Rio foi diligente na apuração da primeira parte do caso Marielle, ação batizada de “investigação da investigação”. Em 2019, um relatório de 600 páginas foi produzido pelo delegado Leandro Almada, atualmente, superintendente da Polícia Federal do Rio.

Após intensa apuração, Almada comprovou que houve uma farsa montada para incriminar o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o "Orlando da Curicica", como executor, e o então vereador Marcello Siciliano (PHS), que chegaram a ser investigados pela execução da parlamentar. O relatório apontou que o então policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, o "Ferreirinha", se apresentou como testemunha para criar uma versão falsa contra "Curicica", que foi seu ex-chefe.

O objetivo era ficar com o território do miliciano, após sua prisão. Coube a três delegados da Polícia Federal, que sequer estavam investigando o crime contra Marielle e Anderson, apresentar "Ferreirinha" aos delegados da Polícia Civil. A farsa foi desmantelada. "Ferreirinha" respondeu por crime de obstrução à Justiça.

Agora, como superintendente da PF, Almada colocou o Gise para chegar ao mandante do crime, após receber a missão do então ministro da Justiça Flávio Dino e do presidente Lula. Há cerca de duas semanas, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, deu o prazo até março para a solução do caso. A informação reforçou a hipótese de a delação de Lessa já estar em andamento. Além de Brazão e Siciliano, a Polícia Civil investigou o ex-bombeiro e ex-vereador Cristiano Girão.

Procurado pelo GLOBO, o conselheiro Domingos Brazão disse estar confiante na Justiça. "Depois das famílias de Marielle e Anderson, posso garantir que os maiores interessados na elucidação do caso somos eu e minha família. Tenho fé que, se houver mesmo essa delação, que, graças a Deus, isso termine logo".

Regulamentada em 2103, a delação é um acordo feito entre o Estado e um investigado, ou réu, para obtenção de informações que podem auxiliar na resolução de um crime.


Fonte: O Globo

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